quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Atenas sem Igreja



ATENAS SEM IGREJA

João Tomaz Parreira, 2008-08-14

ATENAS SEM IGREJA
«E os que acompanhavam Paulo o levaram até Atenas»

Actos 17, 15

Ó cidade brilhante, coroada de violetas,(...) Atenas ilustre, urbe divina!

Píndaro

Uma revista de referência internacional da teologia cristã evangélica como a Christianity Today sublinhou a importância do estudo sobre o apóstolo Paulo neste século XXI. Referindo comentários bíblicos e compêndios de teologia, trouxe a lume em Agosto de 2007 um extenso artigo, no qual a pregação de Paulo foi reavaliada e reafirmada e, também, acrescentada uma nova perspectiva sobre o apóstolo. Designadamente no que concerne à doutrina fundamental da Justificação pela Fé.

Como sabemos, não foi esta a pregação de Paulo em Atenas. Nem o apóstolo escolheu, por si mesmo, deslocar-se aí. Não estava nas suas prioridades apostólicas e missionárias.

Paulo poderia dizer como Demócrito(V a.C) «cheguei a Atenas, e ninguém me conheceu», como um sábio ignorado.

Xenofonte reflectiu quatro séculos antes sobre o motivo da condenação de Sócrates, a mesma coisa poderia ter sucedido a Paulo, não fosse o tempo ser outro: «Sócrates foi culpado de não acreditar nos deuses da cidade, e de introduzir outros novos.»

Não seria pois sua intenção apresentar-se diante da elite cultural do mundo pagão, porque teria de falar à razão, aos cérebros da distinta plateia. Mas nunca colocava de parte uma oportunidade.

O DISCURSO

No areópago de Atenas, Paulo pregou antecipadamente contra o pensamento modernista, que viria, séculos depois, a ensinar o evolucionismo. Ele afirmou que «Deus que fez o mundo e tudo que nele existe»( 17, 2).

Pregou também contra as figuras simbólicas que viriam a ser aceites pelos idealistas, por exemplo, como Adão ser uma referência do género humano, uma metáfora, e não um homem real e pai de todos os homens. E asseverou «Ele (Deus) de um só fez toda a raça humana» (17,26)

Foi um discurso esclarecedor e demolidor de conceitos e de ideias contrárias à realidade, não foi uma pregação, digamos kerigmática, foi uma peça de oratória carregada de dialética religiosa, de conteúdo cristão e evangélico. Foi uma lição que misturou cristologia, literatura clássica e humanismo cristão. E o Espírito Santo usou estes meios, que hoje seriam transculturais, para tocar em alguns corações. Duas pessoas ficaram com seus nomes gravados no Novo Testamento: Dionísio e Dâmaris e outros ainda, todavia inominados.

A verdade é que houve conversões em Atenas, mas não foi fundada institucionalmente nenhuma igreja.

Quando Paulo prosseguiu na sua segunda viagem, foi o noroeste da Europa que foi abençoado com o Evangelho, dizer os Dardanelos, Grécia, igrejas fundadas em Filipos, Tessalônica, Corinto, seria pouco. Alguém, baseado na tradição, acrescentou a esta lista conhecida, Atenas.

Não nos parece, porém, fazendo a exegese, a hermeneutica e a análise das evidências internas, nem dos Actos dos Apóstolos, nem das Cartas paulinas ditas europeias.

A História da Igreja Primitiva aceita a influência de um dos conversos, Dionísio, chamado o aeropagita, invocando a sua teologia mística e o que viria a ser o seu apoio futuro à doutrina das duas naturezas de Cristo – o contrário da heresia monofisita e do arianismo -, a mesma História relata também que já no século V a escola neoplatónica de Atenas foi fechada pela sua «obstinada adesão ao cristianismo».

Não havendo sinais de Igreja (no sentido bíblico), senão na mistura de cristianismo com platonismo, quando não mesmo paganismo. Sabe-se, no entanto, que «em Atenas, o Parténon foi preservado tornando-se eventualmente uma igreja da Virgem Santa»

A PRAXE DE PAULO

A praxe de Paulo era ficar o tempo suficiente em um lugar para estabelecer igreja, depois partir para outra cidade do império a fim de edificar outra comunidade. Ora Atenas não foi um objectivo especial, foi antes um ponto de encontro para um envio missionário, e, claro, foi também um recurso que estava geograficamente à mão. «Enquanto Paulo os esperava (Silas e Timóteo) em Atenas, o seu espírito se revoltava, em face da idolatria dominante na cidade»(17,16)

No capítulo 17 discursa em Atenas, no capítulo 18 já está em Corinto, «Depois disto partiu para Corinto» (18,1)

Todavia, durante a estadia na cidade, o discurso de Paulo introduziu uma nova linguagem, que foi, afinal, uma preciosa e douta síntese da concepção do cristianismo.

Se as discussões religiosas dos gregos o atrairam à Colina de Marte para que o pudesse escutar, foram dois alegados nomes religiosos, dois vocábulos mal entendidos e um mau juízo religioso sobre andri, anastasin nekrõn (varão, ressurreição dos mortos ) que o afastaram.

Os gregos levavam a religião e os nomes religiosos para a questão cultural e literária. Não parece haver dúvidas de que a literatura para além da filosofia, esta entrando naquela e vice-versa, e alguns nomes fundadores, determinavam as crenças helénicas, até no que contrariava a ressurreição bíblica, a chamada reencarnação ( metempsicose).

Vejamos o que se escrevia acerca da impossibilidade da ressurreição do homem.

Na Ilíada- «acorreram a contemplar a estatura e a beleza admirável (do cadáver) de Heitor - como fumo a alma partira para debaixo da terra - afastam-se para longe as almas, imagens os defuntos.»

Em Xenófanes ( sobre a metempsicose) – «pára, não batas -no cão-porque é a alma de um amigo que reconheci, ao ouvir a sua voz.»

Empédocles (idem)- «pois eu já fui rapaz e fui donzela, fui planta e ave, e um peixe mudo que sai das ondas.»

Heráclito- «para as almas a morte é transformarem-se em água.»

Sófocles- «somente aos deuses não cumpre envelhecer nem conhecer a morte.»

Antes daquela afirmação de Paulo (17,38), já outros vocábulos dos géneros masculino e feminino, ambos substantivos acusativos no grego, Iesous e anastasis, fizeram comichão nos ouvidos dos atenienses. Ouviram esses nomes, cuja fonética, mais do que o conceito e significante, lhes soavam, na boca de Paulo, a deuses estranhos «porque lhes anunciava a Jesus e a ressurreição » (17,18).

Realmente, dentre os pagãos, a ressurreição era considerada impossível. Poderíamos citar o Rei Príamo, da Ilíada, de Homero: “Lamentar-se pelo seu filho morto não trará bem nenhum. Você morrerá antes de trazê-lo de volta à vida.” Ainda a tragédia As Eumenides, de Ésquilo: “Uma vez que um homem morreu, e a poeira ficou ensopada com seu sangue, não há ressurreição.”

A TRADIÇÃO

Era inevitável que a expansão do Cristianismo nos finais do século I e séculos II e III fosse acompanhada da imaginação, criando tradições populistas. Estas levaram sem dúvida à criação de histórias tradicionais, que nem a própria História garante; dizem umas que Lázaro, Marta e Maria terão ido para a Provença, e Lázaro terá sido mesmo bispo de Marselha; Dionísio, convertido por Paulo em Atenas, terá ocupado o cargo de primeiro bispo de Paris; por que não de Atenas? A verdade e já é bastante, é que, por exemplo, Irineu testemunhou uma comunidade cristã activa na Galia, já no remotíssimo ano 200.

Apesar de um pensador cristão e humanista como Miguel de Unamuno (no seu Del sentimiento trágico de la vida )comparar a história do pensamento com a história da imaginação humana, em matérias como esta da tradição existe tão somente imaginação.

A realidade, contudo, inundou o fértil terreno de todas as fábulas da tradição humana. A verdade é que a partir da Grécia, berço da civilização e das cidadanias, a Europa estava ganha para a Luz do Evangelho. Atenas só iria manter acesas as luzes (turísticas) da Acrópole.

João Tomaz Parreira



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